Um primeiro contato com Lovecraft
Sempre tive um certo medo de ler Lovecraft porque achava que seria uma coisa mais complicada, seja pela grandiosidade do universo que o autor criou ou seja pela própria escrita, ou até mesmo que eu não fosse gostar por ser algo um tanto quanto fragmentado demais (boa parte da obra ficcional do autor é composta de contos). E eu estava errado. Em partes pelo menos...
Para esse primeiro contato com a escrita e a obra do autor peguei uma coleção de contos organizada pela editora Pandorga e esse box lindo da Novo Século e, por mais que não tenham as histórias mais memoráveis do autor, ainda são narrativas que passam bem por dois importantes aspectos da obra lovecraftiana: o ocultismo e o horror cósmico.
N'O Caso de Charles Dexter Ward, romance que pertence ao box da Novo Século, acompanhamos desde o início a trajetória do personagem titular para conhecer mais sobre o seu antepassado e os horrores que ele carrega. Cheia de elementos ocultos, mistérios que para a época são arrepiantes o bastante e cenas tão bem descritas que dá uma vontade repulsiva de pintar um quadro baseado nelas, essa curta narrativa (o único romance escrito pelo autor aliás!) serve muito bem para introduzir alguém no universo de Lovecraft. Quanto aos contos, quero destacar O Modelo de Pickman, O Visitante das Trevas (presentes em Terror Cósmico, da Pandorga) e Sussurros na Escuridão, novela presente na seleção de contos do box. Um tipo de personagem bastante recorrente nestas histórias é o aprendiz/estudioso ocultista, um personagem curioso acerca dessas questões ocultas e que acaba se deparando, seja sem querer ou não, com seres cósmicos que estão além da compreensão humana, além de antigos livros sobre eles, como o famigerado Necronomicon, que sempre dá as caras. Para exemplificar esse tipo de personagem temos os protagonistas de O Visitante das Trevas, Sussurros na Escuridão e o próprio Charles Dexter Ward, que serão acompanhados pelos leitores em sua busca pelo conhecimento que pode acarretar em um destino pior do que a morte: a loucura. No entanto, um ponto bastante interessante acerca desses personagens: a maneira como a história é narrada, como os elementos são inseridos e as descobertas são feitas tornam o leitor também um aprendiz ocultista; isso é um ponto que faz com que o leitor continue lendo por mais que não seja uma leitura tão fluida assim.
Sobre a própria experiência de leitura, preciso destacar dois pontos particulares para mim. Primeiro, há pouquíssimos diálogos dentro das histórias, tendo mais narração seguida de narração seguida de narração. Isso não é um problema, mas de início foi necessário um tempo para que eu me acostumasse, não só por ser só narração, mas também porque a própria escrita de Lovecraft é bastante descritiva e poética (de um ponto de vista bem macabro), faz voltas e retornos que não permitem uma leitura tão fluida assim como outros livros. O segundo ponto é que por mais que não haja uma ordem de leitura para as histórias do autor, uma introdução aos seres cósmicos e como eles interferem na vida dos humanos poderia ter sido de grande ajuda para absorver mais das histórias. No entanto, além disso tudo, um ponto que não pode em hipótese alguma ser deixada de lado ou esquecida é o teor racista que permeia essas histórias, é bastante claro em vários momentos que o autor considera somente a "raça branca" superior e menospreza os não brancos e estrangeiros.
Uma pequena recomendação extra (e meu principal motivador para começar a ler Lovecraft) são os episódios Pickman's Model e Dreams in the Witch House, da série Guillermo Del Toro's Cabinet of Curiosities. São episódios baseados em contos do autor, mas que fazem algumas mudanças que ao meu ver melhoraram bastante as narrativas originais, como se expandissem e aprofundassem mais elas. Recomendo não só esses episódios, mas a série toda na verdade, uma história por episódio com diferentes visões, estéticas e discursos que te fazem querer mais.
Para um primeiro contato com Lovecraft foi uma experiência bastante interessante. OK que não gostei de todos os contos, mas isso é algo comum na própria experiência de ler contos, você se liga mais com algumas histórias do que outras, mesmo elas tendo as mesmas temáticas e sendo do mesmo autor. Espero aprofundar mais nesse universo criado pelo autor e que foi expandido mesmo após a morte dele. Esse não foi o primeiro contato que eu tive com o horror cósmico, já tinha lido um conto (Jerusalem's Lot) e um romance (Revival) do Stephen King que tratam um pouco do tema e é incrível ver como esse é um tema que pode ser explorado de diversas formas e tendo diferentes visões.




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