Imperador Deus de Duna (Frank Herbert) - A quem um deus reza?
A divisão da saga
Atualmente no Brasil temos a publicação de seis volumes de Duna pela editora Aleph: Duna, Messias de Duna, Filhos de Duna, Imperador Deus de Duna, Hereges de Duna e Herdeiras de Duna; todos essas escritos pelo autor original e criador da saga, Frank Herbert. Originalmente, Herbert planejava escrever sete livros para a saga dividindo em duas trilogias e um interlúdio, a primeira trilogia formada pelos três primeiros volumes supracitados, o interlúdio sendo o quarto volume e tema dessa resenha, e a segunda trilogia que encerraria a saga formada pelos quinto e sextos volumes já citados anteriormente com um sétimo que não chegou a ser escrito pois o autor morreu em 1986, mesmo ano da publicação de Herdeiras de Duna, em decorrência do câncer de pâncreas pelo qual ele estava passando. No entanto, ele deixou notas sobre o que seria o sétimo volume as quais foram usadas pelo seu filho, Brian Herbert, ao lado do autor Kevin J. Anderson, que passaram a escrever os livros da saga, lançando em 2006 e 2007 respectivamente os volumes Hunters of Dune e Sandworms of Dune.
Infelizmente, não se tem planos ou notícias sobre a publicação desses dois últimos volumes aqui no Brasil e levando em conta que os volumes quatro, cinco e seis são vendidos em um box, acredito que seja pouco provável que alguma coisa sobre traduções da editora para os volumes sete e oito aqui para o Brasil venham em um futuro breve.
A conexão entre duas eras
Ao final de Filhos de Duna temos um Leto II meio humano meio verme da areia dizendo que reinará por cerca de 4000 anos até que sua metamorfose esteja completa em verme. Ele se torna o novo imperador de Arrakis tendo como objetivo guiar a humanidade até o Caminho Dourado, podendo ver o futuro e consultar seus antepassados, se tornando então um ser mais poderoso do que seu pai jamais foi, se tornando o Imperador Deus de Duna.
O quarto volume da saga então começa cerca de 3500 anos desde o último volume com um Leto ainda reinando, agora não só exercendo o seu poder em Arrakis, mas em todo o Imperium. O projeto de terraformação em Arrakis avançou e o planeta que antes era um deserto agora é verde e repleto de árvores e rios; sendo assim, os vermes de areia que produziam o mélange não existem mais pois esse é um ambiente letal para eles, tornando então a especiaria um produto raro. Quem controla a especiaria e mantém uma grande reserva dela é Leto, que também decide quanto dessa substância dar aos grupos importantes, como as Bene Gesserit, os Tleilaxu e Ixianos; ou seja, Leto é quem controla o produto mais importante em todo o Imperium, uma substância importante até mesmo para se locomover entre planetas, e esse controle é uma das coisas que o torna um deus.
Além do seu controle sobre a especiaria, Leto pode ver o futuro com a sua presciência, tendo poucas exceções quanto a quem ela se aplica. Com esse poder ele nunca é pego de surpreso ou seus planos nunca dão errado, se caso um infortúnio aconteça ao seu governo na verdade foi por ele ter permitido que aconteça. Sendo assim, é impossível escapar dele ou derrubar o seu governo despótico e extremamente controlador. Mas será que é mesmo?
Desde o primeiro volume da saga é apresentado o plano de manipulação genética feito pelas Bene Gesserit para criarem uma versão masculina delas, que teria poderes prescientes e levaria a humanidade a um período de plenitude. Paul Atreides, depois de uma leve alteração nos planos, seria o resultado final dessa manipulação que durou séculos, mas não acabou muito bem como vimos nos livros anteriores. O plano é novamente frustrado com Leto II e então ele toma o poder, o que faz as Bene Gesserit perderem boa parte de poder e influência que elas tinham conquistado ao longo dos séculos. Quem agora assume esse plano da manipulação é o próprio Leto II que vai reproduzindo os Atreides que descendem de sua irmã, Ghanima, chegando até o momento no qual o livro se passa. O último humano criado a partir desse plano é Siona, uma líder rebelde a qual os poderes prescientes dele não funcionam.
A construção de um não acontecimento
Quando li a sinopse pela primeira vez acreditei que a narrativa iria focar em Siona e sua luta para derrubar o governo tirânico de Leto, os acontecimentos do livro até abrem com um capítulo em que ela foge da cidadela do Imperador, mas me surpreendi quando isso não aconteceu. Siona é bastante deixada de lado durante boa parte do livro só se tornando uma personagem recorrente no último terço da narrativa; até lá a história acompanha Leto em seu governo caótico enquanto os diferentes grupos que ele comanda tentam buscar alternativas de enfraquece-lo. Diferente do livro anterior que era bastante descritivo nas cenas cheio de reflexões internas dos personagens que deixava a leitura um tanto complicada para mim, esse já foi bem mais fluido pois a quantidade de falas aumentou consideravelmente, deixando a leitura mais rápida. A situação do Imperium, como as coisas andaram até chegar ali, como o governo e a religião funcionam naquele momento da humanidade, tudo isso é explicado dentro das próprias falas junto com reflexões dos vários personagens e como eles não concordam com as coisas que acontecem.
Política e religião sempre foram os temas mais abordados na saga de Duna até aqui, mas nesse quarto volume a religião é o tema mais forte e que causa mais reflexões não só entre os personagens, mas ao próprio leitor. Acompanhamos Leto no livro anterior como uma criança pré nascida e como ele se torna a criatura ao final da narrativa, mas agora ele é um deus, um ser adorado e temido que sabe tudo e pode ver tudo. No entanto, isso não significa que ele também não tenha problemas e tristezas, desejos e objetivos que não podem ser conquistados; acima disso tudo, ele se sente sozinho e não tem uma pessoa que o entenda pois ele é único. Até a chegada de uma certa pessoa perfeita demais… Até um deus tem suas paixões.
Enquanto esse é um livro com mais falas e mais fluido que o anterior, também é um livro com poucos acontecimentos tendo mais discussões e conversas do que de fato alguma ação. As cenas de ação e conflito são poucas, mas muito importantes pois, além de causar reviravoltas na história, também aprofundam o que cada personagem sente deixando seus desejos subentendidos. Afinal, o que um ser considerado divino pode desejar? Acima disso, a quem ele reza para ter isso?
Imperador Deus de Duna é o livro mais diferente até agora da saga e um dos mais importantes em um plano geral pois muita coisa do Caminho Dourado é explicado, mesmo que muitas pontas soltas também são deixadas. Ao mesmo tempo que é um interlúdio entre as duas trilogias, ele também é um prólogo para o que virá a seguir e uma base para uma nova era de conflitos que pode encerrar a espécie humana ou levá-la a sua plenitude. Mesmo assim, ainda é um livro que pode ser bastante confuso e que deixa várias perguntas, além de não poder ser uma leitura tão proveitosa para alguns tendo em conta o tanto de conversa e discussão que há na história, mas ainda assim um livro importante e que me deixou curioso para o que está por vir. O retorno de um personagem antigo da primeira trilogia me deixou um tanto em dúvida se era necessário ou não: ele é sim importante para os acontecimentos do livro e para o seu desfecho, mas era necessário ser exatamente ele? Um novo personagem não poderia fazer o mesmo trabalho? A primeira vista me pareceu um tanto preguiçoso por parte do autor, mas quem sabe o seu retorno não possa ter mais importância nos próximos volumes.





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