O Apanhador no Campo de Centeio (J. D. Salinger) - I wanna a bad boy


Se você procurar listas com os livros mais importantes do século XX, muito provavelmente vai encontrar O Apanhador no Campo de Centeio lá. É um clássico da literatura estadunidense que é lembrado até hoje como um livro importante para jovens, referenciado inúmeras vezes em diversas mídias e servindo de inspiração para inúmeras outras obras; então decidi enfim pegar achando que seria uma leitura profunda e transformadora. Para falar a verdade, até agora eu não entendi de fato o que aconteceu nesse livro.

I’m the bad guy… duh

Holden Caulfield é um jovem de dezesseis anos, filho de uma família abastada, que estuda na escola preparatória Pencey, na Pensilvânia. Após ser reprovado em várias matérias e expulso do internato, ele decide fugir para Nova York e tentar se encontrar, tentar entender aquilo que ele sente e o que está passando em sua cabeça. Holden não gosta das pessoas com quem estuda, não gosta do lugar onde estuda, para falar a verdade nem ele sabe de fato do que ele gosta, sentindo que não se encaixa em canto algum enquanto vaga por todos os cantos.

Representando o suprassumo da angústia adolescente e confusão mental pela qual as pessoas nessa fase passam, Holden é um personagem de fácil reconhecimento, como se todo leitor alguma vez na vida já tivesse sido ele. O próprio Holden é um leitor e comenta em algumas passagens sobre os livros que leu e como se sentiu lendo aquilo; narrado em primeira pessoa, ele comenta o que sente o tempo todo, todos os seus sentimentos negativos que de uma hora para a outra podem se tornar positivos, os seus pensamentos que são como uma peteca, surgindo e sendo rebatidos o tempo todo. Como um livro curto, não posso falar muito da história, até porque o mais legal é acompanhar cada pensamento e reflexão de Holden, portanto recomendo fortemente que leia para saber sobre o que o livro fala. E quando ler, venha aqui me dizer sobre o que essa narrativa se trata porque se me perguntar eu não sou capaz de te responder.

Romance de formação sem formação alguma

Toda vez que ouvia falar de O Apanhador em algum vídeo ou texto, ele era citado como um romance de formação, ou seja, um livro em que o protagonista passa por transformações e desenvolvimento no campo psicológico e/ou mental. Com Holden reclamando o tempo todo durante a história e sentindo que não faz parte de algo, acreditei que até o final do livro ele encontraria o seu lugar no mundo e a si mesmo, mas não é isso que eu senti que aconteceu. Após diversas reflexões, depois de muito andar por Nova York e de encontrar várias pessoas, ele continua sem encontrar seu lugar no mundo e decide continuar onde está por um tempo, buscando depois ajuda a um psicanalista (algumas pessoas entendem que ele foi para um hospital psiquiátrico nesse ponto, é possível, mas acredito que vá de cada um).

O ponto aqui é: como eu posso classificar esse livro como um romance de formação se o personagem não passa de fato por uma formação? Podemos entender que a mudança pela qual Holden passa não é de fato narrado ou fica subentendido; Holden não narra somente os acontecimentos desde que foi expulso de Pencey, mas também o que lhe aconteceu antes e o fez chegar aonde chegou, no entanto, ele não conta o seu “presente” (o tempo em que ele estava “escrevendo” o livro que lemos, ele considera o que narra como sendo seu passado).

Holden, acima de tudo, é um personagem real e atemporal, afinal, qual adolescente não passa por uma crise? Entretanto, a mensagem que ele quer passar não fica clara para mim, e quem sabe não é exatamente isso que o livro quer fazer? Talvez ele não queira de fato passar uma mensagem, mas sim passar a confusão e angústia que o personagem sente.

Nova York como personagem

Uma coisa incrível é como a cidade de Nova York, quando o autor tem a habilidade, consegue ser um personagem vivo e orgânico dentro de uma história, seja em O Apanhador no Campo de Centeio, que se passa durante a década de 1940, ou seja em Sex and the City, na década de 1990. No romance de Salinger, Holden anda pela cidade como se fosse o seu quintal, sabendo aonde ir quando deseja algo, levando o leitor consigo e o fazendo descobrir junto com ele a galeria de personagens interessantes que estão presentes na história. A ambientação não se limita somente à cidade, mas também abrange o seu período: os Estados Unidos do pós-guerra, a cultura se modificando e modernizando em meio a uma sociedade superficial que se encaminha para a Guerra Fria.

Com a narração do livro sendo em primeira pessoa, a linguagem é adaptada para a maneira de Holden falar, cheia de gírias e neologismos, o que deixa a leitura mais fluida e rápida. Um ponto que me chamou bastante atenção foi a maneira como ele se refere a homens homossexuais, os chamando de “desmunhecados” (no original, “flit”); várias outras gírias são traduzidas para palavras e expressões populares mais conhecidas no Brasil, é um trabalho de tradução muito bem feito e pra mim um dos pontos altos da experiência de leitura.

Carry on, my wayward son

O Apanhador é um clássico relido em escolas até hoje, passando gerações e ainda sendo relevante, sendo discutido por vários críticos sem chegarem em um ponto final, e acredito que essa seja a sensação que tenho no momento: já terminei a leitura, mas não cheguei em uma opinião final. É um livro que me divertiu e me fez refletir sobre o que ele queria falar, mas não sou capaz de dizer sobre o que essa história realmente fala. Talvez uma futura releitura me faça chegar em algum ponto, mas no momento ele se tornou um livro que guardarei na mente com carinho, mesmo sendo nebuloso.

Holden é um personagem fantástico, antes de começar a leitura eu já sabia que o protagonista de um dos meus jogos favoritos, Bully, foi baseado nele, e realmente ambos apresentam bastantes semelhanças. Além disso, agora estou revendo Gilmore Girls pela já não sei qual vez e é impossível não ver um pouco do Holden no Jess. Acho que a pergunta que fica aqui é “Porque rebeldes nos chamam tanta a atenção?”


❧ O Apanhador no Campo de Centeio (publicado originalmente em 1951)

❧ J. D. Salinger

❧ 256 páginas

❧ Editora Todavia

❧ Tradução de Caetano W. Galindo

❧ ★★★★

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