O que terá acontecido à Baby Jane? (Henry Farrell) - Essa família é muito unida


Normalmente, grandes clássicos do cinema de suspense com plot twists no final são de conhecimento geral: a revelação acerca de Norman Bates em Psicose, o final de Os Outros, o verdadeiro poder do garotinho de O Sexto Sentido. Entretanto, não se fala tanto assim sobre o final de O que terá acontecido à Baby Jane?, uma revelação tão chocante que provavelmente até Alfred Hitchcock ficaria espantado.

Eu já tinha ouvido falar uma vez ou outra sobre o filme e há alguns anos a editora DarkSide Books lançou o livro que inspirou esse clássico do cinema aqui no Brasil; demorou um pouco, mas enfim fiz essa leitura e devo dizer que é uma história que com te surpreende.

Mais que inimigas, irmãs

Baby Jane Hudson foi muito famosa quando criança, no início do século XX, quando se apresentava em teatros vaudeville fazendo apresentações musicais e de dança. Primeiramente, vaudeville é um tipo de teatro que surge na França, ao final do século XIX, onde vários artistas, sejam do gênero de comédia, dança, música, entre outros, se apresentavam nos palcos; se torna popular na América do Norte no início do século XX e dura até mais ou menos a década de 1930, quando vão se tornando menos populares e entra em declínio. Entender o que é o teatro vaudeville é importante para um aspecto da personagem de Baby Jane mais a frente…

Voltando para a história, Jane tem uma irmã que não se apresentava com ela, Blanche Hudson, mas que depois da morte dos pais e a mudança das crianças para a Califórnia se torna uma grande atriz de Hollywood, aparecendo em inúmeros filmes, junto com a sua irmã que não ganha a mesma atenção. No auge de sua carreira, Blanche sofre um acidente causado pela sua própria irmã em que ela perde o movimento das próprias pernas e acaba deixando a carreira de atriz. Chegando então ao presente, no ano de 1959, Blanche vive em uma casa escura e sombria com sua irmã, essa última amargurada por ter que passar a vida cuidando da própria irmã enquanto ela ganha novamente atenção por seus filmes estarem sendo reprisados repetidas vezes na TV.

A narrativa vai se desenrolando com o surgimento de novos personagens que tentam descobrir o que está acontecendo na casa das Hudson, assassinatos não planejados e uma sensação de desespero que rodeia os personagens de maneira sufocante. A escrita é objetiva e direta, sem se enrolar com devaneios por mais que a sanidade de Jane vá se deteriorando a medida que as páginas passam; essa perda de sanidade se mostra muito bem na narração do ponto de vista de Jane, é como se a própria narração fosse se tornando desesperada, caminhando por um túnel escuro sem uma luz no fim. O final é digno de Robert Bloch, mas não é como se o autor enganasse o leitor nos capítulos anteriores, pelo contrário, ele deixa várias pistas que quando o leitor chega ao final percebe que estava tudo na sua cara o tempo todo.

Um ponto interessante do subtexto de O que terá acontecido à Baby Jane? é o passar dos anos e a troca do antigo pelo novo, bem representado nas duas irmãs Hudson. Jane era a estrela durante um tempo, até que o formato em que ela estava imersa fica ultrapassado e o cinema se populariza, assim como sua irmã também vira estrela. Com o surgimento da televisão e maior acesso desta pela população, alguns filmes antigos voltam a se popularizar nas inúmeras casas dos Estados Unidos, trazendo à tona estrelas antigas que não são lembradas por todos, como Blanche. Vendo isso, Jane busca voltar ao estrelato novamente, mas não se adequando aos novos formatos mais populares e sim trazendo de volta o que ela fazia antes. Em um mundo onde tendências aparecem e vão embora na rapidez de um tweet, ver obras que trazem a mudança dos aspectos culturais com o passar dos anos se torna cada vez mais importante para entendermos como funciona o mundo do entretenimento, mas acaba trazendo à tona uma pergunta: é a sociedade que se adequa ao entretenimento ou o entretenimento se adequa a sociedade?

Além de Baby Jane, a edição da DarkSide conta ainda com um prefácio assinado por Mitch Douglas e três contos do autor: O que terá acontecido à prima Charlotte?, A estreia de Larry Richards e Primeiro, o ovo. É uma boa seleção de contos, mas o destaque com certeza fica para Prima Charlotte, uma história gótica sulista com um mistério envolvente e reviravoltas tão boas quanto o romance mais famoso do autor. Para quem quer saber um pouco mais sobre o gênero do gótico sulista e algumas recomendações, fica aqui essa thread do podcast Esqueletos no Armário explicando um pouco mais.

Gostei bastante de Baby Jane e de Prima Charlotte, o segundo conto já não gostei tanto e o terceiro achei ok, mas não me marcou tanto assim como as histórias anteriores. Baby Jane tem uma escrita bem rápida e direta, além de não ser uma história longa ou que se arrasta em alguma parte, o que fez a leitura ser bem rápida e fluida, entretanto (e não sei porque) toda vez que abria o livro para ler eu caía no sono. Eu estava gostando da história, queria saber o que ia acontecer a seguir, entender o que estava escondido no passado das personagens, mas acabei demorando mais do que queria para terminar por pegar no sono toda vez que terminava uma página. Fora isso, achei um livro muito bom com uma seleção de contos também ótima, para quem gosta de um suspense rápido de ler com certeza fica a recomendação.

Bônus: filmes e uma dica extra


Baby Jane
é muito lembrado por causa de seu filme, lançado em 1962 com o mesmo nome, estrelado por Bette Davis e Joan Crawford, como Jane e Blanche Hudson respectivamente. Para quem não sabe, essas duas atrizes eram grandes rivais na vida real e, para reavivar a carreira que estava começando a declinar, além de conseguirem uma alta bilheteria, Crawford recomendou à produção do filme que as duas fizessem os papéis principais, afinal, quem não ia gostar de ver essa baixaria nas telonas? O filme é incrível, passando para as telas o sentimento de tristeza e melancolia causado pelo passar dos anos e ofuscamento da fama, além de mostrar muito bem como a sanidade de Jane vai decaindo, sendo um clássico do cinema de suspense.

Dois anos depois seria lançado então Hush… Hush, Sweet Charlotte (trazido para o Brasil como Com a Maldade na Alma), adaptação cinematográfica do conto O que terá acontecido à prima Charlotte?. Estrelado também por Bette Davis, ele segue bem a história do conto e até a expande um pouco, trazendo um clima de tensão do início ao fim e traços que lembram bastante Baby Jane. É outro clássico do suspense obrigatório para quem gosta de filmes do gênero produzidos na época, entretanto, esperava ter gostado mais, mas é questão de gosto pessoal mesmo.


Agora, uma recomendação para quem gostou do livro e quer um outro suspense escrito mais ou menos na mesma época, Psicose de Robert Bloch e também publicado pela DarkSide Books aqui no Brasil é a escolha para quem quer outra história com um plot twist incrível. Lançado em 1959 e adaptado somente um ano depois para o cinema por Alfred Hitchcock, o livro conta a história de Norman Bates, gerente de um hotel de estrada isolado e palco de algumas das atrocidade mais conhecidas do cinema que dispensa apresentações.



❧ O que terá acontecido à Baby Jane? (publicado originalmente em 1960)

❧ Henry Farrell

❧ 320 páginas

❧ Editora DarkSide Books

❧ Tradução de Mariana Moreira

❧ ★★★★

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