Sweeney Todd: O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet - Fígaro, fígaro, fígado!

A primeira onda de livros góticos começa na Inglaterra, lá no século XVIII, com a publicação de O Castelo de Otranto de Horace Walpole e sempre foi se renovando até os dias de hoje. Se na época de Walpole os principais cenários para essa literatura eram as regiões campestres do interior com seus castelos escuros e sombrios cheio de mistérios e assombrações, essa situação teve que mudar quando a partir do século XIX a Inglaterra ia se tornando cada vez mais urbana e desenvolvida, junto com a sua literatura se mudando cada vez mais para as grandes cidades, como a efervescente, sombria e fumacenta Londres.

Paralelo a isso ocorre também uma nova onda onde a literatura se torna cada vez mais popular, e para se ajustar a isso é necessário também que as histórias sejam veiculadas em meios mais populares e baratos. A partir disso se criam então os penny bloods e penny dreadfuls, livretos de qualidade barata, o que facilitava tanto a produção em massa quanto a fácil aquisição por parte do grande público, onde eram veiculadas histórias que atendessem à grande demanda do público: histórias sensacionalistas de aventura, terror ou suspense. Considerada um tipo de “literatura barata”, os penny dreadfuls foram uma grande febre na Inglaterra vitoriana chegando a ter até 100 editoras desse material no país, entretanto uma história que ganhou o coração do público e persiste até os dias de hoje é uma das mais bizarras e mirabolantes do século XIX: Sweeney Todd, o barbeiro demoníaco da Rua Fleet.

Corto cabelo e pinto


Serializada entre os anos de 1846 e 1847, The String of Pearls (O Colar de Pérolas em tradução literal) conta a partir de vários pontos de vista uma história macabra e envolvente, chocante demais para o período em que foi publicada, mas não o bastante para que as pessoas conseguissem para de ler. A revista onde ela foi publicada, The People's Periodical and Family Library, possuía muitas pessoas que trabalhavam por trás dos seus textos e não era incomum que algum texto tivesse mais de um autor, como é o caso de The String of Pearls que por essa razão não possui um autor definido, entretanto a autoria mais aceita cabe a James Malcom Rymer e Thomas Peckett Prest.

Desagradável, feio e com uma risada que faz até bebês chorarem, Sweeney Todd, como o subtítulo do livro já diz, é um barbeiro residente da Rua Fleet em Londres no ano de 1785. A história acompanha esse pitoresco personagem a partir do ponto em que o marinheiro Thornhill, que estava procurando pela jovem Johanna Oakley para lhe entregar um colar de pérolas que foi tudo o que sobrou do seu falecido marido que morreu em alto mar (sim, são muitas camadas, mas vai piorando), entra na barbearia de Todd e desaparece misteriosamente. Claro, não é spoiler algum dizer que Sweeney é o assassino de Thornhill e que roubou o colar, mas o mistério que perdura até o final é o que de fato aconteceu com o corpo do azarado marinheiro e qual a ligação disso com o cheiro horrível que infesta a igreja local. Outro ponto da narrativa (e na minha opinião o mais bizarro) é o da loja de tortas da Mrs. Lovett, uma mulher aparentemente adorável e dona de uma famosa loja de tortas de carne que chega a vender centenas por dia, mas que guarda um segredo que se fosse revelado iria chocar e enojar a cidade inteira por anos.


Essa história tem de tudo: um barbeiro sanguinário, tortas feitas com carne humana, um hospício sombrio comandado por um médico doido que abusa daqueles de quem ele deveria cuidar, mistério sobre o desaparecimento de uma pessoa amada e para fechar com chave de ouro, um final romântico. Outro ponto muito interessante dessa narrativa é como ela é extremamente pitoresca, dramática e visual, cada cena é como se o leitor estivesse vendo ela sendo interpretada em um peça teatral, os personagens sempre pensam em voz alta e coisas absurdas acontecem o tempo todo, não dá para levar a sério em momento algum. E tá tudo bem com isso! Não é o tipo de livro que o leitor leva a sério o que está acontecendo, é um livro para se divertir e passar o tempo, para se preocupar com aqueles personagens pouco desenvolvidos, para sentir tensão e depois relaxar e depois sentir tensão de novo porque as coisas só vão ser resolvidas de fato lá no último capítulo, mas não é arrastado em momento algum. É um “romance barato”? Sim, é, mas ele perdura até os dias de hoje justamente por isso, por ser um livro simples que envolve o leitor completamente.


A edição da Wish, além dos prefácios que já preparam muito bem o leitor para aquela imersão, conta ainda com as ilustrações que foram usadas na época da primeira publicação que dão todo aquele ar antigo para a história o que as tornam indispensáveis. Depois de terminar o livro fui assistir à adaptação mais famosa, Sweeney Todd: The Demon Barber of Fleet Street de 2007, dirigido por Tim Burton e protagonizado por Johnny Deep e Helena Bonham Carter. Esse é um filme musical baseado na peça musical de mesmo nome, que é baseado na peça de 1970, ou seja, desde o material original da década de 1840 foram feitas muitas mudanças e adaptações na história. No filme de Burton, Todd é um barbeiro que volta a Londres em busca de vingança contra o homem que o mandou para a prisão para que se casasse com a sua esposa e ficasse com a sua filha; em Londres ele conhece Mrs. Lovett, dona de uma loja de tortas a beira da falência, mas ambos decidem se ajudar e aqui começa uma história sinistra e macabra com muita música no meio. Uma das principais mudanças, e que eu particularmente não gostei, foi a inserção desse interesse romântico que Lovett tem por Todd, achei bem repentino e abrupto; não uma coisa desnecessária pois é importante para o andamento do final da trama, mas podia ser melhor bem construído. Fora isso (e meu estranhamento com o fato da história ser musical, mas isso é uma questão pessoal que tenho com esse tipo de filme), é um filme divertido e que entretém, assim como o livro, mas não vá esperando a melhor história já contada ou o filme mais bem produzido do mundo (sinceramente, tudo bem que o sangue era falso, mas aquilo parecia mais tinta barata do que sangue falso utilizado em filmes, faltou um investimento ali). Assim, fica feita a recomendação tanto do livro quanto do filme, história simples e rápidas que vão te entreter caso você dê uma chance para elas, mas não muito além disso.


❧ Sweeney Todd: O barbeiro demoníaco da Rua Fleet (publicado originalmente entre 1846 e 1847)

❧ Não especificado durante a publicação

❧ 320 páginas

❧ Editora Wish

❧ Tradução de Carolina Caires Coelho

❧ ★★★★

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