O Palhaço no Milharal (Adam Cesare) - Pennywise, você por aqui?


Em resumo, slasher é o gênero de terror em que o antagonista, seja ele sobrenatural ou não, assassina os personagens do filme se utilizando de uma lâmina ou arma cortante até (geralmente) restar só um, normalmente uma garota, chamada então de final girl e que poucas vezes permanece durante toda a franquia. Essa fórmula não é fixa e várias vezes é subvertida, seja para tratar o gênero com ironia ou para fazer uma resposta crítica, mas principalmente ele se reformula em um novo esquema a partir da década de 1990 com o lançamento de Scream (Pânico), em 1996.

Na fórmula que se seguia desde a segunda metade da década de 1970, o assassino era por vezes um psicopata (Michael Myers em Halloween) ou uma pessoa que ressurgiu dos mortos (Jason em Sexta-Feira 13 ou Freddy Krueger em A Hora do Pesadelo) e ele matava boa parte do elenco, a maioria sendo jovens baderneiros, menos a menina “pura e inocente” que por não ter cometido nenhum ato ruim, como fazer sexo ou beber, conseguiu se salvar. Todo esse esquema é muito fruto das questões moralistas da época, além da própria história do cinema em si, mas após anos onde essa fórmula foi repetida a exaustão com franquias que pareciam acabar nunca, ela acabou sendo modificada. Com o lançamento de Pânico e os que seguiram a moda da época, como Eu Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado (1997) e Lenda Urbana (1998), a final girl do primeiro filme (ou grupo de sobreviventes já que agora não só uma pessoa sobrevive) permanece durante a franquia e o assassino, agora sem ser sobrenatural, é modificado a cada filme, se tornando uma espécie de whodunit, ou “quem fez?”. Outra mudança importante também é como os sobreviventes não precisam mais ser 100% corretos em suas atitudes, conseguindo assim se aproximar mais do público alvo desses filmes que eram os adolescentes.

Contei essa breve história do horror slasher (que para quem deseja saber mais eu recomendo escutar os episódios do podcast República do Medo acerca do tema, eles explicam bem melhor do que eu e ainda trazendo ótimas recomendações do tema) para poder tratar um pouco melhor do livro tema da resenha de hoje: O Palhaço no Milharal, de Adam Cesare.

Eis o jovem dinâmico

Quinn Maybrook é uma adolescente que recentemente perdeu a mãe e, para lidar melhor com o luto, se mudou com o seu pai para a pequena cidade de Kettle Springs, no estado do Missouri (só de ler esse nome já deve vir as palavras “área rural” e “milharal” na sua cabeça). Não tenho muito o que falar sobre a personagem além do fato de que ela é bastante preocupada acerca do seu pai, até porque ele ainda está passando pelo luto, e ela só quer ser uma pessoa comum e normal até poder sair dessa cidade parada no tempo. Mas se ela tivesse conseguido isso, Cesare não teria escrito um livro, não é mesmo?

Já no primeiro dia de aula, Quinn se envolve em uma confusão e é mandada, injustamente já que ela não fez nada além de ter olhado toda aquela situação causada pelo professor surtado de biologia, para a detenção junto com o grupo de alunos mais populares do colégio onde lá ela conhece os personagens que o leitor irá acompanhar até o fim, mas entre eles o mais importante é Cole Hill. Outro personagem muito importante para a narrativa é Rust Vance, que Quinn conhece quando vai para o seu primeiro dia da escola, mas só acha que ele é um menino normal do interior sem nada de interessante.

Outra questão importante para a narrativa é o palhaço mascote da cidade, Frendo, originalmente a principal imagem da fábrica de xarope de milho que pode ser vista da janela do quarto da nova casa de Quinn e que antes era o que mais movimentava a economia dessa pequena cidade esquecida por Deus. Após alguns problemas no Festival do Fundador da cidade envolvendo acidentes causados pelo novo grupo de amigos de Quinn, os nossos personagens (que nesse ponto o leitor já não deve engolir tão bem pois, assim como os adolescentes chatos dos slashers, são insuportáveis) partem para uma festa clandestina em meio a um milharal, afinal, porque não, né mesmo? Mas, enquanto alguns dos personagens estavam indo para a festa, um dos adolescentes do grupo é assassinado por um Frendo em sua casa, cena essa que acontece após uma outra cena de assassinato envolvendo um membro importante da cidade, também morto por um Frendo.

É em meio a essa festa (que com certeza deve ser muito segura) começam as cenas de terror: um Frendo invade a reunião com uma besta e começa a atirar nos adolescentes, matando vários e chegando até mesmo a prender alguns em um celeiro e colocando fogo na estrutura com os jovens dentro. Essas foram cenas difíceis de ler até mesmo para mim, e olha que eu tenho um estômago muito forte para terror e sangue (já assisti todos os doze filmes da franquia de Sexta-Feira 13, fora outras várias franquias clássicas de terror que já assisti completas), então caso queira ler o livro recomendo tomar cuidado com essa determinada parte do massacre no milharal. O autor não poupa esforços em descrever as cenas envolvendo as flechas lançadas pela besta, os cortes com uma motosserra e o incêndio no celeiro, junto com todo o desespero que isso causou.

Essa festa virou um enterro (spoilers a frente)

As cenas de tensão que o autor criou são incríveis, mas o plot twist que seguiu a morte do primeiro Frendo levou o livro a um patamar que eu não esperava de maneira nenhuma. Até a aparição do Frendo, fiquei analisando cada personagem para tentar adivinhar qual deles seria o assassino, mas a revelação de que na verdade eram várias pessoas da cidade que já estavam cansadas dos adolescentes imprudentes saírem impunes dos seus atos (como a morte da irmã de Cole e o incêndio na antiga fábrica, tudo isso tendo Cole como centro e principal culpado) ficou flutuando entre o absurdo e o genial. Minha mente explodiu nessa parte porque todo mundo naquela cidade parecia suspeito, todo mundo tinha motivos para matar aqueles adolescentes, mas você não chega a desconfiar que é um complô de toda a cidade para se vingar contra CRIANÇAS, chega a ser doentio que vários adultos, incluindo o padrasto de uma das vítimas mortas na festa e o próprio pai de Cole, decidam fazer todo um esquema maluco para matar adolescentes, por mais culpados que eles sejam.

Não obstante, dois dos adolescentes do grupo sabiam do complô e por isso se safaram do massacre, mas além disso eles também ajudaram no momento e tentaram matar Quinn, Cole e Rust. Esse livro é um completo exercício de suspensão da descrença porque tudo é um completo absurdo, mas ainda cria tensão com tudo o que acontece, com toda a perseguição e mortes. Não importa que o livro não seja o mais realista possível, é um livro que diverte e entretém.

Mas porque ele não foi um cinco estrelas? Bom, depois do trio de personagens derrotar o xerife malvado da cidade e o pai de Cole, o que arquitetou todo esse esquema de vingança contra o próprio filho, e Cole e Rust se beijarem (SIM, isso depois do autor passar o livro inteiro dando a entender que Quinn e Cole iriam ser um casal), há um epílogo em que a cidade se tornou movimentada após os acontecimentos se tornarem conhecidos pelo país e agora os jovens precisam conviver com os horrores ao qual assistiram e presenciaram. Mas como uma franquia precisa de um gancho para uma continuação, há ainda uma cena em que o pai de Cole, que não morreu como o trio sobrevivente tinha pensado, está fugindo em um jato particular e ele ainda deseja vingança contra o filho. Não precisava. Simplesmente assim, não precisava.

Sim, sei que o autor lançou uma continuação em 2022 intitulada Clown in a Cornfield 2: Frendo Lives, que por si só já não sei se é tão necessária assim, mas se for para continuar essa história seria mais interessante de acompanhar sem esse vilão do livro anterior, trazer um novo vilão misterioso é bem mais interessante. A sinopse do segundo livro me deixou bastante curioso sobre o que vai acontecer e até me lembrou bastante os Pânicos 2 e IV, onde uma protagonista vai para a faculdade a fim de superar o seu passado traumático, mas que retorna para atacá-la. Literalmente.

Um ponto que a edição nacional da Alta Novel tem que eu gostei bastante é a tradução: é como aquelas dublagens de filme que o localizam no Brasil, às vezes até trazendo memes brasileiros nas falas, que é uma coisa que gosto bastante. Algumas expressões que o tradutor traz nessa edição são brasileiras para uma melhor entendimento da leitura já que não somos tão acostumados com expressões e ditados estadunidenses, fora algumas expressões que são muito típicas de jovens (eu falando isso como se não tivesse 19 anos) que deixam a leitura muito fluida e mais gostosa de ler.

Alexa, play Still Alive, by Demi Lovato

Para quem tá buscando um livro de terror que lembre os filmes de slasher (inclusive, peguei esse livro depois de assistir ao Pânico VI e ficar necessitado de mais algo do tipo), essa é a história ideal, mas leia sabendo que é bom ter um pouco de estômago forte para as cenas do massacre no milharal. Além disso, não espere algo super realista, assim como qualquer filme de terror. Adentrando o livro com essas duas coisas na cabeça é muito provável que você goste desse livro.

Para quem gostou do livro e quer mais algumas indicações, fica mais do que recomendado a franquia Pânico, e mesmo se você não gostou porque o livro não era o que você esperava que fosse, assista Pânico. Não importa o que seja, ASSISTA PÂNICO. Mas uma contra recomendação que eu gostaria de fazer é a do livro Tem Alguém na sua Casa, de Stephanie Perkins, é um livro com uma proposta bem parecida (uma menina com um trauma do passado se muda para uma cidade do interior, se liga ao garoto problemático da cidade e então começa uma série de assassinatos, o livro em si tendo uma grande inspiração em filmes slashers da década de 1990), mas que é extremamente broxante e com um final bem ruinzinho. O filme… prefiro nem comentar. E para finalizar, fica recomendado também a música Still Alive de Demi Lovato, lançada para a trilha sonora de Pânico VI.

Abaixo estão os links para alguns episódios do RdM sobre slashers e para a música de Demi Lovato.

❧ RdMCast #250 - A história do horror slasher

❧ RdMCast #286 - Embate Slasher Anos 90 - Eu sei o que vocês fizeram no verão passado x Lenda Urbana

❧ RdMCast #300 - Uma breve história do cinema de horror

❧ RdMCast #317 - O horror depois de Pânico: Adolescentes nos anos 90

❧ RdMCast #323 - A história das garotas finais

❧ Cabana RdM #6 - 8 slashers para desbravar o subgênero

❧ Still Alive - Single (Demi Lovato): Spotify | Apple Music | YouTube (clipe) 


❧ O Palhaço no Milharal (publicado originalmente em 2020)

❧ Adam Cesare

❧ 352 páginas

❧ Editora Alta Novel

❧ Tradução de João Pedroso

❧ ★★★★

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