Trilogia Grisha (Leigh Bardugo) - Porque errar uma vez não é o bastante

Já faz um bom tempo desde que li uma série de fantasia pela última vez, e mais tempo ainda desde a última saga de fantasia jovem, então quando decidi começar a Trilogia Grisha tinha um certo pé atrás por não saber se ia conseguir lidar tão bem com esse tipo de história que nem antes. E, bom, tinha uma certa razão em pensar isso.

Leigh Bardugo é uma autora israelita-estadunidense que começou a publicar os três primeiros livros que formam a saga do universo Grisha a partir de 2012, com Sombra e Ossos, seguido de Sol e Tormenta, em 2013, e Ruína e Ascenção, em 2014. E assim começa esse esquema de pirâmide onde depois dessa trilogia ainda restam duas duologias, três livros companions e uma série para a Netflix.

Sombra e Ossos: Tão previsível quanto um episódio do Chaves, mas não tão divertido quanto

Alina é uma cartógrafa que vive no reino de Ravka, uma nação dividida social e geograficamente. No mundo criado por Leigh Bardugo temos duas classes de humanos: as pessoas comuns, sem poderes, e os grishas, essa última classe se dividindo em três classes diferentes (que se dividem em outras classes, sim, muita coisa) com alguns especiais ali pelo meio. Alina acredita se encaixar nesse primeiro tipo, sem habilidades especiais, até que um evento traumático na Dobra (uma perigosa área de Ravka coberta por escuridão e cheia de criaturas aladas e letais que corta o reino ao meio, complicando diversas questões econômicas e políticas) a faz descobrir que ela é a Invocadora do Sol, uma grisha capaz de invocar e manipular a luz além de ser uma peça chave para a destruição da Dobra.

A partir dessa descoberta que pode mudar todo aquele mundo, Alina então é levada até o Darkling, o principal general de Ravka e um grisha capaz de controlar as sombras. É a partir desse ponto em que a protagonista é tirada do seu habitat e é levada para a corte, tendo sua vida virada completamente de ponta cabeça, que a narrativa se desenvolve, cheia de clichês e situação tão previsíveis que me fizeram questionar se eu deveria terminar de ler a trilogia… Terminei. Com raiva, mas terminei. Quando eu já estava na metade desse primeiro volume, em um ponto em que o triângulo amoroso entre Alina, Darkling e Mali (o melhor amigo de Alina com quem ela dividiu a infância em um orfanato) já estava mais sem sentido que qualquer outra coisa possível, já estava prevendo tanto o plot twist envolvendo os planos secretos do Darkling que eu realmente não tinha certeza se deveria continuar lendo ou não.

Não quero dizer que é um livro de todo ruim, não é, o universo que a autora criou com base numa Rússia czarista é muito interessante e faz o leitor querer saber mais sobre todos os elementos, todos os problemas não só particulares dos personagens, mas também os políticos que envolvem as nações vizinhas (que são tristemente mal exploradas). O problema de Sombra e Ossos é que todo esse universo criado por Bardugo vai ser algo deixado mais como um pano de fundo enquanto o foco principal é uma história previsível com uma protagonista que não é nem um pouco interessante e ainda ligada a um triângulo amoroso que enche o saco demais. Sério, toda vez que ela sofria pelo Mali eu revirava o olho a ponto de ver o lado de dentro da minha cabeça, essa relação entre os dois não é mostrada o suficiente ou construída o bastante para que me convença. O interesse amoroso que a Alina tinha em Darkling fazia muito mais sentido para mim, por mais que também não seja a coisa mais bem construída do mundo (até porque não é), mas é mais fácil de engolir.

Sol e Tormenta: Quando o melhor personagem da saga aparece

No ato final de Sombra e Ossos, Darkling revela seu plano de usar o poder de Alina para controlar a Dobra e assim não só tomar o controle de Ravka, mas também conquistar os territórios próximos, levando a protagonista até à Dobra, que é ampliada destruindo um vilarejo próximo e matando várias pessoas, onde eles travam uma batalha mortal. Alina e Mali conseguem fugir e assim o livro acaba. Além disso, é introduzido também nesse terceiro ato o objetivo geral que Alina terá durante toda a saga: a busca dos amplificadores (artefatos conquistados por um grisha a partir de algum animal poderoso) lendários de Morozova, um Santo (personagem histórico/lendário do universo Grisha que após a morte é considerado sagrado). Cada grisha só pode ter um amplificador, mas os amplificadores de Morozova, além de serem extremamente poderosos, podem ser combinados os três, tornando quem os usa o grisha mais poderoso que possa existir. Quando eu li essa busca pelo primeiro amplificador já me deu aquela dor de cabeça porque não aguento mais esse plot da busca de itens poderosos para derrotar o grande mal encarnado e blá blá blá, mas essa dor de cabeça logo passou no início do segundo livro.

Ao final do primeiro livro, Alina e Mali fogem de Ravka e vão para Ravka Oeste onde tentam começar uma vida largando tudo para trás. Claramente isso não deu certo pois logo nos primeiros capítulos eles são descobertos por Darkling e sua tropa e logo são levados para o alto mar a fim de encontrarem o segundo amplificador, um dragão marinho. Aqui foi um ponto que achei muito interessante pois a narrativa não passa um livro inteiro nessa busca do segundo amplificador, ele já é encontrado logo no início e as alterações que isso causa na mente de Alina vão ficando cada vez mais claras ao passar das páginas. É nesse início de livro também que nos é apresentado o melhor personagem da saga inteira, Nikolai Lantsov, príncipe bastardo do rei de Ravka e o mais empenhado em derrotar o Darkling.

Após Nikolai resgatar Mali e Alina do barco de Darkling, o grupo, junto com toda a equipe do príncipe, parte de volta para a corte de Ravka onde eles começam a se organizar militarmente e politicamente. E é aqui que começa o principal problema desse segundo volume: a repetição da mesma fórmula que foi usada lá no primeiro volume. Alina fica na corte aprendendo mais sobre os seus poderes e os amplificadores enquanto se forma um triângulo amoroso, agora com Nikolai já que um príncipe e a Invocadora do Sol que pode derrotar o Darkling é a combinação perfeita para o reino. Entretanto, dessa vez esse romance não convence tão bem quanto Alina e Darkling, por mais que você queira ver os dois juntos (e eu quis muito porque chegou em um ponto em que não aguentava mais ver a cara do Mali, boy lixo demais). Além disso, Bardugo perdeu uma oportunidade muito boa de aprofundar mais o esquema político de Ravka; por mais que o leitor esteja acompanhando de perto as intrigas familiares e como todo mundo quer um pedaço do poder, ainda assim é tudo muito raso e mal aprofundado, não só a questão da realeza como também do próprio povo. É de conhecimento do leitor que a população tem uma vida difícil e boa parte é pobre, sendo além disso abusada pelos que estão logo acima deles, no entanto, isso é muito pouco mostrado e deixa tudo raso demais, mas não corrido porque o meio da história é extremamente arrastado. O final então é como o final do primeiro volume, Alina e Darkling travam uma batalha que quase leva os dois a morte e no final a protagonista foge, agora para debaixo da terra por túneis construídos por fiéis seguidores de santos com a ajuda do principal sacerdote do reino.



Ruína e Ascenção: Um encerramento xoxo, mas que podia ser pior

Alina, já no início do terceiro livro, se rebela contra o sacerdote e o controle que ele estava mantendo sobre ela, logo se tornando a líder dos fiéis e partindo para fora dos túneis afim de conseguir mais ajuda para encontrar o terceiro amplificador e derrotar o Darkling. Não vou falar muito aqui da história até porque muita coisa e mudança de cenários acontecem (o que deixou a leitura mais dinâmica inclusive), mas quero deixar claro o que senti durante a leitura. Em resumo, muita gritaria e confusão.

O ponto que mais me incomoda durante essa saga é como a Alina não é consistente: no primeiro livro ela é uma garota inocente que não tem noção do poder que tem; no segundo ela é desconfiada e confusa sobre o que sente e sobre o que deseja; já no último volume ela é mais decidida, mas ainda assim não apresenta a força que a personagem precisa para lidar com o problema do Darkling, além da questão do romance chato dela com Mali e seus sentimentos confusos sobre quem ela quer. É possível entender essas mudanças ao longo dos livros como uma evolução da personagem? Sim, claro, não dá para dizer que ela não evolui, mas que essa evolução é abrupta em várias partes, além de não convencer em momento algum, disso não há dúvida. No terceiro volume eu já não reconhecia a Alina, ela não parecia ser a mesma personagem que encontrei no primeiro livro (e ainda bem porque ela era muito chata em Sombra e Ossos), ela não é uma personagem que se mantém consistente a ponto de minimamente convencer o leitor durante essa saga.

Outro ponto que me incomoda é como o final é um tanto confuso. Após ela descobrir que Mali na verdade era o terceiro amplificador de Morozova, ele se sacrifica para que Alina tenha acesso ao poder do amplificador e então (pelo o que eu entendi) uma grande onda de poder sai da Invocadora do Sol e chega nas pessoa sem poderes, que ganham o poder de Alina e assim destroem a Dobra invocando luz. No entanto, um pensamento surgiu na minha cabeça (para mim é uma teoria que eu aceito muito mais do que o que a autora disser!) em que na verdade todo mundo daquele universo é grisha, e isso é reforçado com a fala repetida várias vezes de que todos eles são feitos do mesmo material, mas aqueles “sem poderes” na verdade só não podem acessar o seu poder por não terem um amplificador do nível dos amplificadores de Morozova, e isso incluía até mesmo Alina: ela só descobre que é grisha quando entra em contato com Mali, até então ela era só uma pessoa comum. A explicação dada no primeiro livro de que ela enterrou o poder dentro de si mesma para não ser separada de Mali na infância pode refutar essa teoria? Sim. Mas ou eu aceito que essa teoria surgida das vozes da minha cabeça é verídica ou eu só pego raiva mesmo da autora. Além disso, toda aquele final meloso que encerra o triângulo amoroso entre Alina, Mali e Darkling foi no mínimo ridículo de ler, sem comentários além disso.

Mali então, após estar morto por alguns instantes, é ressuscitado e assim ele e Alina vivem uma vida sem poderes (pois ela perdeu os poderes após o sacrifício de Mali), é um final romântico, mas chato. Sinceramente, com o andar do esquife que a narrativa estava tomando, esperava mais que os dois morressem, então foi um final bem decepcionante para mim. O controle que Darkling tinha sobre Ravka e as outras nações não é bem mostrado, tudo que não está perto da protagonistas (e algumas coisas que até estão perto da protagonista) é mostrado de forma rasa ou nem se quer é mostrado. Leigh Bardugo tinha a faca e o queijo na mão, ela soube trazer um universo muito interessante e que sabe como ganhar o leitor, mas não soube construir e aprofundar isso, enchendo os três livros de clichês, narrativas previsíveis e revirar de olhos a cada ação da protagonista.

Perda de tempo?

Mesmo com todos esses problemas, ainda assim não diria que ler essa trilogia foi uma perda de tempo, pelo contrário. É um universo muito bem criado e, até onde chegou aos meus ouvidos, as duas duologias que foram lançadas depois, Six of Crows e a duologia de Nikolai (REIZINHO DEMAIS), são bem melhores e mais bem contadas. Então no final não foi uma perda de tempo, era necessário eu ler essa trilogia para poder ler os outros livros publicados pela autora, e, como foram livros curtos que não foram de todo uma tortura, até saí com um saldo positivo.

Estou bastante ansioso para assistir a série, até agora só vi o primeiro episódio, mas como percebi que ela traz elementos da duologia dos corvos deixei para depois que terminar de ler esses dois livros (que não sei quando vai acontecer, então paciência). Mas pelo o que deu para perceber no primeiro episódio, algumas mudanças foram feitas e os visuais estão bem interessantes, mas claro, a principal mudança é a inserção da narrativa de Six of Crows.


Além disso, a autora lançou dois livros companions: As Vidas dos Santos, o livro que é citado várias vezes na Trilogia Grisha, e a graphic novel O Demônio na Floresta. As Vidas dos Santos é uma coletânea de contos bem curtos que narram (como o título já deixa óbvio) as vidas dos santos de Ravka, o que aconteceu para eles serem glorificados (normalmente sendo tragédias) e algumas vezes em que eles ajudaram pessoas. Alguns contos são bem legais, outros esquecíveis, mas os mais importantes são os dois antepenúltimos que contam sobre Alina e Darkling. Confesso que o conto do Darkling tirou uma lágrima do meu olho esquerdo, é tocante e triste. Já O Demônio na Floresta é uma graphic novel que conta uma história de Darkling séculos antes dos acontecimentos da trilogia, em que ele vai descobrindo mais sobre o seu lugar no mundo e sobre os seus poderes, além de todo perigo que ele carrega só por ser ele mesmo. Sinceramente, gostei mais dessa graphic novel do que da trilogia inteira.

Fica a recomendação da trilogia e dos livros companions, por mais que tenham vários problemas, mas para quem não pegou muitos livros de fantasia ou não está tão acostumada assim aos clichês com certeza tem capacidade de ser uma leitura proveitosa. Mas para quem já tem uma carga de livros de fantasia lidos… saiba que vai passar raiva.


❧ Trilogia Grisha (publicado originalmente entre 2012 e 2014)

❧ Leigh Bardugo

❧ 288, 352 e 336 páginas

❧ Editora Planeta pelo selo Minotauro

❧ Tradução de Eric Novello

❧ Média: ★★★★

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