Coroa de Sombras (Tricia Levenseller) - Amaldiçoado seja o BookTok


Se eu negasse que tenho um certo preconceito com livros que hitam no TikTok, estaria mentindo, mentindo muito. O que não posso negar é que vez ou outra me surpreendo e realmente gosto de algum livro dessa lista que as editoras fazem questão de deixar clara na hora de promover o novo lançamento… mas esse não foi o caso de Coroa de Sombras, de Tricia Levenseller.

Castle, by Halsey

De uma maneira ou outra você já deve ter visto pelo menos duas coisas sobre esse livro, mesmo sem saber que era ele: 1. Ou você viu a chamada de “Ela não é a típica mocinha. Ele não é o típico vilão”, 2. Ou você já viu a abertura do primeiro capítulo quando a protagonista/narradora fala que o único cara que já partiu o coração dela foi assassinado e enterrado por ela mesma. Em Coroa de Sombras o leitor acompanha Alessandra Stathos, uma personagem forte que tem um objetivo em mente: se tornar rainha, custe o que custar.

E para isso ela começa então a colocar seu trabalhoso plano em prática: seduzir o Rei das Sombras até que ela possa assassiná-lo e assim tomar o poder para si. Até parece que iriam permitir, mas tudo bem. Entretanto, ela não é a única pessoa que deseja colocar fim à vida desse vilão que não é vilão já que nos últimos tempos a quantidade de vezes que houve atentados à vida de Kallias, o Rei, aumentaram bastante. E mesmo assim, matá-lo não é uma tarefa nem um pouco fácil já que ele tem o poder se tornar intangível, ligado às sombras que ficam envolta do seu corpo, um poder que é passado de geração para geração em sua família.

Porque eu tô lendo isso mesmo?

Sinceramente, achei o início desse livro muito interessante assim como a sua premissa, ele parecia que tinha o potencial de ser uma leitura divertida, e foi até certo ponto, mas os problemas me faziam virar o olho por muito mais tempo do que o tempo que eu passei me divertindo. Primeiro, entendo que o foco desse livro não é para ser o mundo onde se passa, o seu sistema político ou a questão fantástica que envolve Kallias, o rei das sombras, mas não deixa de ser decepcionante como são elementos pobres e genéricos nesse livro, e se torna mais decepcionante ainda quando eram aspectos que eu gostaria de ver terem sido mais bem trabalhados nessa história, mais interessado do que eu de fato estava no casal principal. Existem conflitos entre o reino onde a história se passa e os reinos vizinhos que estão sendo conquistados aos poucos por Kallias, mas esse problema é resolvido de forma muito simples (quando mostrados) com Alessandra dando um conselho para o rei e funcionando, simplesmente assim. A questão política é um ponto bastante presente nesse livro, mas isso não quer dizer que é bem tratado pois, assim como os conflitos externos, os conflitos internos do reino e da corte do rei também são muito simples e resolvidos muito facilmente, não há um impedimento para que as coisas aconteçam. O único problema que realmente se mostra uma questão a ser tratada com seriedade são as tentativas de assassinato feitas contra Kallias e o mistério de quem realmente estava por trás deles me surpreendeu, eu realmente não descobri quem era até que essa pessoa se revelasse ao final da história, mas mesmo ela tem os seus defeitos aqui e ali.

Entre esses e outros problemas, o principal com certeza é a protagonista: Alessandra é tão rasa quanto uma poça de água que já passou meia hora ao sol depois que a chuva passou. O desejo que ela tem de ser rainha é só isso mesmo, os seus pensamentos não parecem ser coerentes com as suas ações, ela só parece ser uma personagem que a ideia inicial da autora era ela ser uma vilã porque sim, mas nem assim mesmo ela se mostra. Entretanto, um ponto muito importante e que ficou muito mais evidente depois que li um comentário no Skoob é: por vezes ela parece ser uma personagem “feminista” (coloco entre aspas por tratar isso da maneira mais simples possível e em um contexto onde feminismo não é uma ideia existente), ela vai mudando aos poucos conveniências e regras sociais até chegar às leis que limitam os direitos das mulheres nesse reino, em suma, ela é uma ativista pelos direitos femininos num reino machista até o osso. Mas se uma mulher pisar no calo dela, mesmo que nem seja de propósito, ela a ataca. Alessandra é uma personagem contraditória que te ganha só quando você lê a sinopse na contracapa porque na narrativa mesmo ela é simplória demais e você quer muito mais ver essa história do ponto de vista de Kallias. Bom, quem sabe a autora segue a moda que se tem agora de lançar um capítulo extra gratuito do ponto de vista do mocinho (isso não é uma reclamação, inclusive amo o conteúdo extra de Melhor do que nos Filmes).


Entretanto, nem tudo são espinhos. Como eu disse, foi uma leitura que realmente me divertiu, é um livro que te instiga a chegar até à última página para saber o que acontece com o casal e descobrir quem está por trás dos planos de matar Kallias. Além disso, o círculo de amizades de Alessandra é muito divertido, eles são o alívio cômico dessa narrativa, mas que também agregam para a história trazendo inclusive subtramas. Mas o ponto forte mesmo é Kallias: às vezes as pessoas chamam alguém de golden retriever por ter aquele sorriso e aura calorosa, macio como creme de amendoim, mas Kallias especificamente é um flat-coated retriever, tão caloroso quanto um golden, só que preto. Ele é muito amorzinho, você quer ver mais dele, mais do passado sofrido dele e até se assusta quando ele manda pessoas serem mortas (simplesmente não combina, mas ok, ele ainda tem que parecer o típico vilão), mas não deixa de ser um personagem apaixonante.

A conclusão dessa resenha é: você quer ler? Leia, vá em frente, não vou dizer que é um livro de todo ruim, mas não é uma leitura que eu recomendaria para todo mundo. Acho que talvez ela funcione melhor para leitores jovens que ainda não tem tanta carga assim ainda com o gênero de fantasia. É um livro muito mais voltado para o romance que se constrói aos poucos entre o casal principal, sem se preocupar muito com o que está ao redor deles ou com o mundo que a autora criou (talvez “esboçou” seja o termo mais adequado). Ainda assim, se alguém me pedisse uma recomendação, esse estaria bem lá no final da lista, com certeza há outros mais bem trabalhos e similares (e não falo só da narrativa, esse esquema de capa nos livros de fantasia mais atuais me deixa muito confuso, parece tudo igual). Não pretendo ler o segundo livro desse universo, que conta a história da irmã de Alessandra, ou outros livros da autora como o que a editora Planeta irá lançar em breve, foi uma experiência ruim o bastante para uma leitura só.


❧ Coroa de Sombras (publicado originalmente em 2020)

❧ Tricia Levenseller

❧ 288 páginas

❧ Editora Planeta Minotauro

❧ Tradução de Débora Isidoro

❧ 3★

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