Anatomia: Uma história de amor (Dana Schwartz) - Quando Ali Hazelwood encontra romances de época


Desde que esse livro foi anunciado aqui no Brasil pela Intrínseca eu já fiquei de olho por uma simples palavra: gótico. Nada me chama mais atenção do que essa palavra e, como quase sempre acontece, dessa vez me levou até uma leitura ótima. Não perfeita, mas ótima!

My heart… and my eyes… and my lungs will go on

A narrativa de Anatomia: Uma história de amor se passa em Edimburgo, capital da Escócia, no ano de 1817 e acompanha a protagonista Hazel Sinnett em sua jornada de conhecimento, trabalho e altas confusões. Primeiramente, o principal ponto que você precisa saber dessa personagem é a sua paixão pela medicina, uma paixão que passa por diversas provações durante a sua vida já que ela não é incentivada de modo algum a seguir essa carreira. Sendo uma jovem moça do século XIX, filha de uma família pertencente à pequena nobreza escocesa, seu único papel nesse mundo é se casar com um herdeiro de boas posses para que continue sendo uma moça pertencente à mesma classe. Entretanto, como em vários outros livros que se passam no mesmo período com protagonistas fortes, não é isso que ela quer.

Vivendo em um pequeno castelo, Hazel vive com o seu irmão mais novo e sua mãe superprotetora em relação ao herdeiro da família. O pai de Hazel ocupa uma posição militar e foi convocado para servir no exterior e o irmão mais velho de Hazel, George, morreu há alguns anos em decorrência da Peste Romana que assolou Edimburgo, matando muitas pessoas. Com a mãe de Hazel se preocupando mais com o seu irmão mais novo, ela tem um pouco mais de liberdade para dar andamento aos seus estudos até que chega uma oportunidade única: participar de um curso preparatório de medicina com o famoso Dr. Beecham, neto de um de um importante autor de livros de medicina e também autor do livro que Hazel usa como base para os seus estudos. No entanto, há um problema: o curso só aceita homens. Para resolver esse problema, Hazel toma a arriscada decisão de se disfarçar como seu falecido irmão mais velho e assim frequentar as aulas.

Enquanto isso, o leitor também acompanha um outro personagem, Jack Currer, um jovem ressurreicionista (pessoa que rouba cadáveres para vender à outras pessoas que os usam para estudos) que vive a vida numa corda bamba perigosa, mas empolgante. Claro que o caminho desses dois personagens vão se cruzar, mas é quando surge a necessidade de Hazel de cadáveres para estudar mais é que essa amizade vai se firmar em solo firme. He was a boy, she was a girl, can I make it any more obvious? É claro que depois de algumas aventuras juntos esses dois vão começar a se ver com outros olhos, o que é complicado levando em conta que Hazel é prometida para o seu primo, Bernard Almont, mas os problemas não acabam aí.

Após Hazel ser desmascarada por um professor do curso, ela faz um acordo com o Dr. Beecham: se ela conseguir passar pelo exame de medicina, ele passará a aceitar mulheres em seu curso e além disso ela ainda ganhará uma vaga para trabalhar com ele. Ela só precisa passar por um exame bem complicado, coisa boba, imagina. Com tudo isso, há ainda um outro problema (sim, é muita coisa para um livro que não é longo): alguns ressurreicionistas estão sumindo pela cidade. Esse é um mistério que acompanha o leitor do primeiro capítulo até o final, mas mistério bem entre aspas porque com o andamento da leitura é mais do que óbvio quem é o responsável por esses sumiços.

Essa foi uma leitura que eu gostei muito de fazer por diversos fatores. Primeiro, a ambientação gótica que alterna entre o bucólico rural escocês e o urbano sujo da cidade é envolvente, tudo se formava na minha cabeça como se fosse uma série bem produzida por um canal britânico (inclusive, esse livro daria uma ótima adaptação!). Outro ponto é o fato dos personagens serem únicos, poucos e apaixonantes. Jack é um amorzinho, Hazel me fazia dar altas risadas, Bernard até o fim me deixou em dúvida sobre de que lado ele realmente estava nessa narrativa, tudo isso junto com a escrita fresh, refrescante da autora me fizeram devorar esse livro em dois dias. O plot da protagonista ser uma mocinha a frente do seu tempo que é limitada pela sociedade por causa do seu gênero é batido? Sim, já vi isso não sei quantas vezes, mas a maneira como ela ultrapassa cada obstáculo, de maneira decidida sobre os seus objetivos e os meios que ela toma para isso foram surpreendentes a cada capítulo. Entretanto, como disse acima, esse não foi um livro perfeito por uma certa coisa e a partir daqui começam os spoilers, então leia por sua conta e risco!

Era realmente necessário?

Como eu disse, a resolução de quem estava por trás dos desaparecimentos não era mistério algum para mim, sério, só dois personagens poderiam ser os culpados por isso então era mais do que óbvio o culpado. Entretanto, me surpreendeu muito a descoberta de que o Beecham neto na verdade era o Beecham original que estava vivo há não sei quanto tempo porque ele criou um elixir da vida que o tornava imortal. Isso foi uma coisa muito aleatória para mim porque eu não esperava um fator fantástico nesse livro, em momento algum, e não me desceu bem porque é uma coisa muito jogada, que destoava do resto do livro.

Essa questão da imortalidade foi algo que eu não gostei nem um pouco, mas não foi o único ponto negativo. Obviamente, Hazel e Jack se apaixonam, mas isso aconteceu de forma muito abrupta, uma hora eles estavam amigos que se olhavam com aquele olhar, mas na outra ele já estava dizendo que a amaria para sempre! Tipo, o povo nessa época era mais emocionado assim mesmo? Se esse romance não tivesse sido construído de uma forma tão intensa em tão pouco tempo eu teria me convencido bem mais sobre esse casal, mas da maneira que a autora fez simplesmente não me desce, parece mais um elemento da história feito nas coxas só para seguir a fórmula atual de romances, só faltou uma cena hot.

Entretanto, outro ponto positivo que esse livro traz é o paralelo construído entre a Peste Romana que volta a assolar Edimburgo, com Hazel batalhando para encontrar uma cura e sendo desacreditada, e a pandemia de Covid pela qual infelizmente o mundo passou nos últimos anos. É um assunto bem recente, mas que já dá as caras na literatura, algo que impactou o mundo e a cultura de maneira irreversível e que se tornará cada vez mais presente nos livros que serão publicados futuramente.


Anatomia é um livro que foi me conquistando desde o início, mas que por algumas coisas que podiam ter sido melhor trabalhadas, ou nem mesmo terem sido colocadas ali, me deixou com um gosto agridoce ao final. Quando terminei fui dar uma olhada na sinopse do segundo livro, Immortality: A love story, e eu já sei com certeza não vai ser uma leitura muito agradável para mim… A história vai seguir uma outra narrativa na vida de Hazel, com novos problemas e aparentemente tendo pouca relação com o primeiro livro, então vai ser aquele livro que eu vou terminar pensando “essa era uma continuação necessária?”. Ainda assim, Anatomia é um ótimo livro para leitores jovens e que traz bastante coisa sobre a medicina e como ela era no século XIX, além claro da representação dessa sociedade machista que infelizmente perdura até hoje, mesmo com todas as conquistas que aconteceram ao longo dos séculos.


❧ Anatomia: Uma história de amor (publicado originalmente em 2021)

❧ Dana Schwartz

❧ 320 páginas

❧ Editora Intrínseca

❧ Tradução de Guilherme Miranda

❧ 4★

Comentários