O Grande Gatsby (F. Scott Fitzgeral)

 


Desce Lana Del Rey nessa caixa de som que hoje eu quero chorar

Uma coisa que eu faço pouquíssimas vezes: releitura. Quando eu penso em reler um livro fica na cabeça aquele pensamento de que eu poderia estar lendo algo novo ao invés de estar lendo de novo uma história que eu já conheço, mas é aqui que entra justamente o contraponto: você não lê a mesma história duas vezes. As impressões que você teve na primeira vez que leu tal livro com certeza não vão ser as mesmas impressões que você terá na segunda ou terceira leitura! Elas podem ser somadas com novas impressões, elas podem ser mantidas parcialmente, podem ser mudadas por completo, mas com certeza não vão ser as mesmas que você já teve anteriormente principalmente porque a sua mente não está no mesmo estado que estava quando leu aquele livro pela primeira vez.

Esses dias eu estava completamente fascinado pela estética art déco, e não tem nada que me lembre mais essa estética do que O Grande Gatsby, um dos grandes clássicos do século XX e da literatura estadunidense, mas é aí que entra o porém. Quando eu li pela primeira vez, lá em 2021, eu detestei essa história porque eu esperava uma coisa e recebi outra completamente diferente, mas dessa vez, já sabendo o que esperar, consegui perceber detalhes que o meu desgosto da primeira vez não me permitiram ver.

You’re so Art Deco out on the floor

Não sei se é necessário que eu apresente a história de O Grande Gatsby já que esse é um dos livros mais famosos do mundo, mas para quem ainda não conhece: narrado em primeira pessoa por Nick Carraway, a história acompanha o tempo em que o protagonista passou em Nova York morando ao lado de Jay Gatsby, um ricaço que sempre dá festas opulentas em sua grandiosa mansão e que tem um passado muito, muito obscuro. Na verdade, Gatsby se aproxima de Nick pois este é primo de segundo grau de Daisy Buchanan, uma moça “peculiar” casada com Tom, um boy lixo; Daisy e Jay são apaixonados há muito tempo, mas por Gatsby ser pobre na época em que se conheceram eles não se casaram e, após Jay ir para a Grande Guerra (naquela época ainda não sabiam que era a primeira, os desavisados), Daisy se casa com Tom, passando anos sem se encontrar com Gatsby, até que ele ressurge em sua vida, esbanjando riqueza dessa vez. É uma história de amor (um amor bem questionável, mas ainda assim) simples com alguns traços de suspense mais para o final, mas que mostram, com uma incrível destreza por parte do autor, o lado podre da alta sociedade de Nova York nos anos reluzente da década de 1920.

Por mais que seja uma história simples, dois pontos para mim se destacam nessa história e que fizeram ela crescer bastante nessa releitura: os pequenos detalhes implícitos que mostram ainda mais da sociedade da época em pouquíssimas palavras e a escrita cheia de simbolismos de Fitzgerald. Na primeira leitura eu não tinha parado para pensar de onde tinha vindo toda a riqueza de Gatsby, mas agora, conhecendo mais sobre o período e também com a ajuda das notas presentes na edição da Antofágica, consegui perceber mais sobre o lado criminoso dessa narrativa e como esse grande exemplo do american way of life e self-made man que é o Gatsby não é exatamente um modelo muito adequado para o jovem americano. Além disso, foi também com a ajuda dessas mesmas notas que entendi pequenas referências que o autor coloca e criam incríveis comparações entre os personagens do livro de Fitzgerald e outros personagens da literatura ou históricos. Isso mostra como é necessário saber qual edição de um livro escolher, ainda mais se é um clássico da literatura.


Na primeira vez que li, a edição escolhida foi a da Penguin Companhia, uma ótima edição, bastante confortável de ler, com um ótimo prefácio e que conta com algumas notas, mas não tantas quanto a da Antofágica, que li pelo Kindle Unlimited. Além das notas, a da Antofágica também conta com uma apresentação de Rita von Hunty, textos complementares que me ajudaram ainda mais a compreender mais dessa história e perceber detalhes que passaram despercebidos por mim e lindas ilustrações que me imergiram ainda mais na narrativa. Mas, para mim, o melhor ponto dessa edição é a capa: é a mesma capa da primeira edição, uma imagem clássica e misteriosa que me instiga ainda mais a ler. É uma pena que eu tenha lido em ebook e não tenha essa edição em formato físico, mas quem sabe um dia…

Quando passei minhas marcações do ebook para a edição física da Penguin, a qual tenho aqui na minha estante, percebi como diferentes traduções fazem a diferença durante a leitura. Recomendo as duas edições, adoro a coleção da Penguin Companhia, acho as edições deles extremamente confortáveis de ler e carregar por aí, e as edições da Antofágica trazem um ótimo material, sendo prazerosa de ler tanto no físico (cuja experiência eu ainda não tive, mas espero ter um dia, ainda mais se for naquela edição perfeita de Moby Dick) quanto em ebook, fica a sua escolha. Mas, em questão de tradução e preferência pessoal, acredito que a tradução da Antofágica traz mais lirismo na escrita, talvez algo mais próximo da experiência que Fitzgerald desejava passar ao leitor. O trabalho de uma tradução é trazer ao leitor a experiência mais próxima da leitura em uma outra língua, mas ao mesmo tempo, por vezes, é necessário adaptar a linguagem de um livro pois algumas analogias e expressões não são conhecidas por aqui e, consequentemente, não causam o mesmo impacto no leitor do que uma expressão nacional causaria. Para quem quer saber um pouco mais sobre o tema, recomendo um vídeo já um pouco antigo da Mel Ferraz, do Literature-se, onde ela aborda essa questão de lermos traduções ou adaptações, um tema que não é tão debatido, mas que é de vital importância para quem é leitor.

Quem é o cantor?

Escrevendo essa resenha agora, um certo tempo depois de terminada a leitura, uma dúvida surgiu na minha cabeça: quem é o protagonista de O Grande Gatsby? A resposta mais óbvia parece ser Nick Carraway, afinal o desenrolar da história gira em torno dos acontecimentos que ele presencia, mas será que é isso mesmo? Nick é quem narra esse livro, do seu ponto de vista e dando suas opiniões, tendo os seus insights durante a narrativa, mas a verdade é que as coisas não acontecem por causa dele: Gatsby já dava grandes festas antes de conhecê-lo para ver se assim chamava a atenção de Daisy, o plano de reconquistá-la já existia antes mesmo de Nick entrar nesse tabuleiro complexo. Portanto, se Nick não existisse na história, ela ainda se daria da mesma forma? Gatsby encontraria outra pessoa que pudesse ajudá-lo para pôr seu plano em prática? Ou nada do que aconteceu se daria nessa nova realidade hipotética e o livro não existiria? Do meu ponto de vista, e aqui abro o espaço para a discussão, Nick é o narrador dessa história, um narrador que se intromete e serve como gatilho para que as coisas aconteçam, mas o verdadeiro protagonista é Jay Gatsby, um personagem muito mais aprofundado do que o próprio Nick e que ainda possui um antagonista, o personagem o qual a história de fato gira em torno, seja no passado, no presente ou nas consequências finais.

Ao final dessa releitura, uma certeza ficou na minha mente: lerei esse livro mais uma vez no futuro, mas em inglês. Vez ou outra gosto de comparar diferentes edições e traduções de um clássico, mas poucas vezes entro em contato com o texto na língua original e sinto que vai ser necessário eu fazer isso com Gatsby, uma história que foi do fundo do poço do meu desgosto até entrar na lista de favoritos. Para quem quer mais dessa época, desse estilo, dessa história, recomendo o filme de 2013 que tem o mesmo título do livro e foi dirigido por Baz Luhrmann (aliás, a edição da Antofágica conta com um texto complementar que analisa as diversas adaptações de O Grande Gatsby, excelente de ler), um filme visualmente incrível e que conta com uma trilha sonora impecável. Falando de música, além da recomendação óbvia da trilha sonora do filme de 2013, também fica feita a recomendação de Born to Die - The Paradise Edition e Honeymoon, dois álbuns incríveis de Lana Del Rey, que também está presente na trilha sonora da adaptação de Luhrmann, e trazem muito a estética e atmosfera do livro de Fitzgerald.


❧ O Grande Gatsby (publicado originalmente em 1925)

❧ F. Scott Fitzgerald

❧ 368 páginas

❧ Editora Antofágica

❧ Tradução de Rogério W. Galindo

❧ Ilustrações de Virgílio Dias

❧ 5★

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