Angústia (Graciliano Ramos)
❧ Graciliano Ramos
❧ 320 páginas
❧ Editora Todavia
❧ 4★
Angustiante foi terminar esse livro
Se você é brasileiro e já chegou ou passou do ensino médio, já deve ter ouvido falar de Graciliano Ramos, um dos mais importantes autores do século XX no Brasil e do movimento Modernista pelas terras tupiniquins, mas muito provavelmente você não deve ter ouvido falar de Angústia, o seu terceiro romance.
Graciliano, em vida, publicou apenas quatro romances: Caetés (1933), S. Bernardo (1934), Angústia (1936) e Vidas Secas (1938), esse último sendo o mais lembrado e que segue a onda dos romances regionalistas da segunda geração modernista. Entretanto, e falo isso com base nos textos complementares presentes na edição da Todavia, edição escolhida por mim para fazer a leitura desse complexo romance, Angústia é o mais reverenciado e citado e estudado e várias outras coisas pela crítica.
Um romance abundante
Já tinha lido S. Bernardo e Vidas Secas anteriormente e o que eu mais me lembrava era do quanto eram histórias “secas”, com narrações objetivas e diretas, especialmente este último. Mas já na apresentação de Angústia, assinada por Thiago Mio Salla, eu fui avisado mais de uma vez que essa secura de narração não se encontraria no presente romance, muito pelo contrário: no seu terceiro romance, Graciliano decidiu seguir o caminho oposto e ser mais abundante em sua narração, fazendo voltas e volteios, repetindo palavras, tudo isso para causar uma sensação.
Angústia é narrado em primeira pessoa pelo nosso protagonista, Luís da Silva, um funcionário público na casa dos 30 anos e que mora somente com a sua empregada meio surda e o seu papagaio. Este é um romance muito mais psicológico, onde o protagonista vez ou outra volta ao seu passado por causa de algo que aconteceu em seu presente (o que me lembrou um pouco o que Proust faz em seu Em Busca do Tempo Perdido), numa espécie de fluxo de consciência. Além disso, quando ele não está voltando ao passado, ele passa um tempo considerável remoendo algo do seu presente da forma mais amargurada possível, se tornando um personagem de difícil ligação com o leitor. Caso você tenha se reconhecido com Luís da Silva, tenho uma péssima notícia para te dar…
A partir daqui irei contar alguns spoilers desse livro, então esteja avisado caso continue lendo! Nosso indigesto protagonista, em um determinado momento, decide que quer se casar com a filha da vizinha, e nisso se passa uma longa parte do romance em que Luís, que aparenta não amar muito Marina, a filha da vizinha, vai tentando preparar o casamento. E aqui preparar se lê como “dar o dinheiro que ele não tem para Marina para que ela compre as coisas mais fúteis possíveis”. Até que (!) chega num ponto em que o maior rival de Luís, Julião Tavares, um rapaz que não tem porque trabalhar já que a família é dona de um proeminente mercado da cidade de Maceió, se interessa por Marina, chegando até mesmo a desmanchar o noivado entre ela e Luís da Silva. Luís já não gostava muito de Julião, então ele fez o que achava mais propício, assassinou o seu rival e fugiu logo em seguida, uma coisa bem comum e que se vê em toda esquina, não é mesmo? Mas aí é que se encontra a maestria de Graciliano ao final dessa história: não é claro se esse assassinato aconteceu mesmo ou se foi somente criação da cabeça de Luís, afinal, vemos durante todo o romance que ele não é um personagem muito equilibrado e constantemente se perde em devaneios. Os dois últimos capítulos é a queda final neste abismo que se tornou a mente do protagonista, sendo o último narrado em um só parágrafo, onde vemos cada vez mais Luís perder a cabeça.
Todo esse final já tinha sido falado para mim durante a apresentação do romance, então para mim não era surpresa o que acontecia (ou supostamente acontecia) durante a história, mas foi uma surpresa a maneira como Graciliano conduziu esse final. Quando estes acontecimentos finais estavam sendo narrados, na minha cabeça só me vinha (e um adendo é que não li esse livro ainda, então não posso falar muito sobre) o pouco que sei sobre Crime e Castigo, do Dostoiévski: um protagonista que cometeu um crime e se encontra angustiado por não ter sido pego ainda. Entretanto, enquanto no clássico russo esse é o principal mote da narrativa, no livro de Graciliano isso se acontece nos últimos capítulos, o que me deixou com uma dúvida: a angústia a qual o título se refere é em relação ao assassinato em questão ou aos próprios sentimentos negativos que o protagonista sente? Com essa dúvida na cabeça, cheguei até mesmo a fazer algo que normalmente não faço muito: li o texto complementar ao final da edição! Mas convenhamos que um texto do Antônio Cândido não é qualquer coisa a ser ignorada, não é mesmo?
Mesmo agora, alguns dias após ter terminado essa leitura que me foi um pouco cansativa, não sei dizer bem a qual angústia o título se refere: a angústia que o leitor sente ao ler um livro nem um pouco agradável, a angústia do pós assassinato ou a angústia que o personagem sente o tempo todo ao estar vivo e presente no meio daquela sociedade que ele tanto detesta. Angústia é o mais debatido pela crítica e não sem razão, é um romance complexo e cheio de camadas e camadas, como uma cebola bastante amarga. Não é um livro para qualquer um, mas que com certeza agora está ao alcance de qualquer um já que a obra de Graciliano Ramos entrou em domínio público agora em 2024 e já foram anunciadas umas cinquenta edições diferentes dos seus livros. Entretanto, recomendo fortemente a edição da Todavia, um trabalho que merece ser admirado por toda a questão que envolve as várias alterações feitas ao longo das edições desde a sua primeira publicação, além de notas que podem ajudar bastante durante a leitura. Para complementar essa leitura, li também a outra publicação da Todavia de um livro do autor, esse já sendo um poema lindamente ilustrado por Gustavo Magalhães e lançado pelo selo infantil Baião. Os Filhos da Coruja é um poema que remete uma fábula conhecida por alguns, mas que traz os regionalismos da escrita de Graciliano, portanto está feita também essa recomendação.




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