A Família Glass (J. D. Salinger)
❧ Franny & Zooey (publicado originalmente em 1961)
❧ Erguei bem alto a viga, carpinteiros & Seymour - Uma introdução (publicado originalmente em 1963)
❧ J. D. Salinger
❧ 176 & 184 páginas
❧ Editora Todavia
❧ Tradução de Caetano W. Galindo
❧ 4 & 3,5★
Uma família peculiar
O livro mais famoso de Salinger é O Apanhador no Campo de Centeio, um clássico tão memorável quanto polêmico e marcante na vida de muitos leitores. Entretanto, não é sobre essa obra que iremos falar aqui hoje (até porque já falei dele aqui anteriormente), mas sim sobre um trabalho ainda mais complexo e longevo da curta obra de Salinger: as histórias da família Glass.
Tão frágil quanto o nome
Em vida, J. D. Salinger publicou quatro livros: O Apanhador no Campo de Centeio, Nove Histórias, Franny & Zooey e Erguei bem alto a viga, carpinteiros & Seymour - Uma introdução, todos já publicados aqui no Brasil pela editora Todavia e com tradução de Caetano Galindo (que faz um trabalho incrível em todos, diga-se de passagem). Entretanto, um grupo de personagens que está presente em três desses quatro livros é a família Glass, uma família peculiar formado por Les e Bessie Glass, os pais, e seus sete filhos extraordinários. Toda essa prole possui uma inteligência incrível e desde muito cedo participaram do programa de rádio É uma sábia criança.
Ok, mas o que há de tão importante nessa família para aparecerem em tantas histórias? Bom, na verdade as narrativas dessa família começam justamente pelo fim, quando Seymour comete suicídio no conto “Um dia perfeito para peixes-banana”, presente em Nove Histórias. Após esse trágico acontecimento, todos os Glass serão afetados de alguma forma e é a partir dessa premissa que Franny & Zooey e Erguei bem alto a viga, carpinteiros & Seymour - Uma introdução irão contar diferentes narrativas, posteriores e anteriores à morte de Seymour, que mostram como talvez o sobrenome Glass tenha um significado além de transparência.
Começando por “Franny”, esse é um conto publicado pela primeira vez em 1955 e narra a noite em que Franny Glass, a mais jovem da família, sai para um encontro com seu namorado Lane. No entanto, Lane acaba se deparando com sua namorada um tanto quanto alterada, buscando apoio em um livro aparentemente (digo “aparentemente” porque realmente tenho minhas dúvidas ainda sobre o simbolismo por trás desse elemento) cristão, repensando vários aspectos da sua própria vida, seja social ou acadêmica. Franny se mostra estressada, tensa e chega até mesmo a desmaiar durante o encontro. Por mais que seja uma história aparentemente muito simples, foi nela que eu mais me identifiquei e encontrei uma mensagem por trás, justamente pela sua simplicidade. O fato de Franny não suportar mais a faculdade e suas aulas por achar que os professores são egocêntricos e a maneira como ela questiona as didáticas das aulas, como ela não aguentava mais as pessoas com quem tinha que dividir o palco (ela é uma atriz de teatro), basicamente o seu desencanto e “não-aguento-mais” com o mundo foi como um eco para mim.
O colapso mental de Franny tem continuação na novela “Zooey”, publicada originalmente em 1957. Aqui a história já se passa no apartamento do família Glass em Nova York, com Bessie preocupada com a filha e pedindo ajuda à Zachary “Zooey”, seu filho desbocado de 25 anos, para que ele converse com a sua irmã mais nova e encontre uma solução de alguma forma. Essa já é uma narrativa mais complexa, com diálogos longos e por vezes confusos para mim, mas uma descoberta é fundamental: o livro que Franny citou no conto anterior na verdade foi pego por ela na mesa de cabeceira de Seymour, seu falecido irmão mais velho. Para falar a verdade, não compreendi bem o que aconteceu durante essas duas narrativas já que é muito fácil se perder em meio aos longos diálogos e temas diversos tratados pelos personagens, mas uma coisa eu aprendi: às vezes você se perde e tá tudo bem, contanto que você se encontre depois. Tem momentos em que você se desencanta com o mundo, tem horas que você não vai aguentar a maneira como as coisas funcionam, mas não é fazendo uma greve parando de viver que as coisas vão se resolver. É uma narrativa muito mais profunda do que essas menos de 200 páginas aparentam.
Partindo para o segundo livro e terceira narrativa dessa resenha, “Erguei bem alto a viga, carpinteiros” já vai ser algo voltado ao passado, contado por Buddy Glass, o agora filho mais velho da família. Nas duas narrativas desse livro Buddy decide explicar (ou pelo menos tenta) mais sobre o membro misterioso da família, Seymour, mas nessa primeira novela ele decide contar sobre o dia do casamento de seu falecido irmão. Com uma preparação conturbada, chega então o dia do casório e Buddy, junto com outros convidados bastante desagradáveis, partem no mesmo carro para onde iria ocorrer a cerimônia. Sendo o único que realmente conhece Seymour, o narrador dessa história é obrigado a ouvir histórias horríveis sobre seu irmão, contadas a partir de suposições passadas por outras pessoas ainda, e cabe a Buddy contar um pouco mais sobre quem realmente é Seymour. Já na segunda novela do volume, “Seymour - Uma introdução”, Buddy decide introduzir seu falecido irmão por meio de um texto confuso e complexo se utilizando de um fluxo de consciência. Confesso que não consegui terminar essa segunda história porque eu não chegava em ponto nenhum naqueles parágrafos complexos, eu simplesmente não aguentava mais depois de 20% lido (e pelo o que eu li sobre essa novela, não chegaria a algum lugar mesmo). Portanto, é nesse volume de narrativas que Salinger decide contar mais sobre Seymour, esse personagem complexo e tão importante para sua obra, mesmo que ele ainda possa continuar sendo complexo e confuso. Nem toda narrativa precisa ter uma mensagem ou lição, mas se me perguntassem qual é a mensagem desse volume de histórias é que todo mundo terá um ponto de vista de alguém. Pode ser bom, pode ser ruim, pode ser indiferente, mas o seu passado será usado como base para a imagem que outra pessoa terá de você, mas ninguém de fato te conhecerá de verdade.
Enquanto pesquisava para essa resenha fui vendo que alguns dos temas dessas quatro narrativas é a filosofia Zen budista, mas infelizmente não percebi muito disso, acredito que por na verdade não saber muito sobre essa filosofia, precisando pesquisar mais sobre. Entretanto, se eu pudesse resumir essas narrativas em duas palavras seriam “espiritualidade” e “quebra”. “Espiritualidade” aqui não num sentido somente religioso e “buscando meu propósito e minha paz em uma divindade”, mas também no próprio estado de espírito, como por exemplo o conturbado estado em que Franny se encontra ou o desencanto que assolava Seymour. E “quebra” para resumir esses dois personagens, ambos estão quebrados, ambos não se sentem bem de verdade, Franny e Seymour se sentem mal no simples ato de existir, mas o que difere cada um é a forma como eles lidam e superam essa quebra.
Queria poder falar mais desses dois livros, queria ter entendido mais desses dois livros, mas infelizmente não aconteceu. Mais histórias do Salinger que vou ter que reler no futuro? Provavelmente, mas eu não podia deixar de fazer essa indicação aqui, são livros que com certeza não vão funcionar para todo mundo. Vi várias resenhas negativas (junto com outras várias positivas), mas são histórias que precisam ser discutidas. Livros complexos não podem somente ser complexos, eles precisam ser entendíveis (!), mesmo que para isso seja necessário despender um grande esforço e reflexão. Salinger traz em narrativas aparentemente simples (tirando “Seymour - Uma introdução”), tanto nas histórias dos Glass quanto em O Apanhador, narrativas psicológicas e que vão ser discutidas durante décadas. Um livro complexo não pode ser algo que somente o autor irá entender, ele precisa possuir também uma chave para que o leitor entenda e tire alguma mensagem dali, seja essa chave implícita nas questões psicológicas dos personagens, seja explícita em seus comentários e apontamentos. Além disso, o mais importante dessas narrativas e o que as fazem ser lidas até os dias de hoje: as discussões que elas trazem, os questionamentos, o que faz eles serem lidos e relidos depois de décadas.






Comentários
Postar um comentário